sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009


Mundo, mundo, vasto mundo

Ainda me recordo de um certo dia do mês de agosto de 1987: no Jornal Nacional, Cid Moreira anunciava a morte do poeta Carlos Drummond de Andrade. Na época, para mim, haviam um substantivo comum e um substantivo próprio altamente enigmáticos nestas palavras, justamente "poeta" e "Carlos Drummond de Andrade". Eu tinha apenas sete anos e meio na ocasião.
Porém, marcou-me quando, pela primeira vez, ouvi versos do "poeta maior": "E agora, José?/ A festa acabou/O povo sumiu/A noite esfriou/E agora, José?/E agora, você?". E, completando aquela noite de epifania, Cid Moreira não deu seu costumaz "Boa noite". O que estava acontecendo? Quem era Carlos Drummond de Andrade?
Não demorei muito a saber. Desde pequeno, sempre gostei de ler. Isto me gerou alguns benefícios, mas também me gerou muitas decepções e tristezas - ainda que fazendo a equação entre ambas, os benefícios sobrepuljem de maneira dantesca as decepções. E foi a vontade de investigar com meus olhos as palavras que me fez chegar a conclusão de que Carlos Drummond de Andrade era, de fato, o poeta que melhor descrevia sobre nosso tempo, nossas angústias, nossas incertezas.
Drummond morreu há quase 12 anos. "Morreu de tristeza", acredito eu. A morte de sua filha, Julieta, a quem era bastante apegado - alguns teóricos chegam a defender que ele tinha inclusive uma relação incestuosa, idéia esta que não sai do campo da "teoria da conspiração" -, precipitou o fim da sua vida. Doze dias depois, o "homem taciturno" passeava pelos corredores do mesmo cemitério onde a filha fora enterrada. Desta vez, era ele quem iria ser sepultado.
"No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho". Estes versos são, talvez, a expressão mais verdadeira do homem nestes tempos de imediatismo, obstáculos e indiferença. Drummond parecia antecipar os fatos: o seu belíssimo poema "A Morte do Leiteiro" trata-se de um retrato clássico da figura do homem que, diante do medo que lhe é imposto, acaba atingindo fatalmente um pobre leiteiro que exercia seu papel profissional antes da alvorada. Drummond expressou a hipocrisia da sociedade de maneira contundente no seu "O Caso do Vestido", onde mostra o diálogo entre mãe e filha sobre algo que envolvera o passado daquela família. Enxergou o homem conflituoso e desesperado diante dos anseios da guerra em "Os Ombros Suportam o Mundo". O homem temeroso diante do seu futuro em "Congresso Internacional do Medo". O homem esperançoso diante de que, mesmo com todas as adversidades, pudesse superar os obstáculos a si impostos, como vemos em "A Flor e a Náusea". Drummond sintetizou, acima de qualquer coisa, o homem. "José", o poema citado por Cid Moreira no necrológico do itabirano, é muito bem entendido quando substituímos o nome próprio "José" pelo nome comum "homem". Todo homem vive a expectativa de dias melhores; mas que dias melhores serão esses, se vivemos necessitados da atenção alheia e o mundo que nos cerca faz com que, cada vez mais, nos sintamos sozinhos diante desta percepção?
É triste, outrossim, que o homem de hoje - aquele mesmo que Drummond atemporizou - esteja esquecido do seu comportamento predador. O homem vem involuindo, retornando ao seu estágio mais primário de evolução. Vem tornando-se, acima de qualquer coisa, um ser que busca aproveitar-se de maneira voraz sobre as fraquezas do seu semelhante. Este homem esqueceu a sua condição de ser humano, privilegiando a sua condição de bicho, onde disputa de maneira irracional e impensada, suplantando o instinto sobre a lógica. Por que nos tornamos assim?
Ao homem, cada vez mais a vida torna-se uma "Quadrilha". Tal qual neste belíssimo poema de Drummond, temos que o amor segue preceitos imediatos, mas que com o tempo não tende a se firmar. Desesperanças quanto ao amor? Um amava o outro. E aquela que não amava ninguém foi quem casou. Mas analise: aqueles que amavam, se deram mal. Restou a Lili um casamento com J. Pinto Fernandes. Não com o simples Joaquim, que morreu de desastre. Desastre mental?
Desastre mental é o que vivemos hoje em dia. Ao homem, mais vale estar em sintonia com o que é lhe imposto. Não lhe importa, por outro lado, procurar ser aquilo que a humanidade sempre sonhou - um eterno ser em evolução. O homem prefere ser um elemento comum do que destacar-se dos demais, prefere os fatos seguros e banais do que os fatos inovadores e originais. Será o mesmo pânico do "Congresso Internacional do Medo"? Um grupo musical recente, O Rappa, antes de tornar-se uma banda de concessões, fez uma canção que muito bem sintetiza este comportamento ante ao espetáculo trágico do amarelismo covarde: "Me abrace e me dê um beijo, faça um filho comigo, só não me deixe sentar na poltrona num dia de domingo. Procurando novas drogas de aluguel neste vídeo, coagido, é pela paz que eu não quero seguir admitindo".

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

"Pra Que Vou Recordar o Que Chorei"? (Carlos Dafé)

Não quero mais saber de ti
Vou me recuperar, quero sorrir
Quero sorrir...
Esquecendo a quem amei,
Pra que vou recordar o que chorei?
Se uma frase já não basta
Pra dizer tudo o que sinto
Quando bate o coração...
Pra evitar o sofrimento
Não se deve, nesta vida,
Só envolver com a ilusão...


O ano acabou de começar e nada melhor que uma mensagem altamente positiva. E "Pra Que Vou Recordar o Que Chorei" é talvez o maior exemplo disto. Lançada num disco homônimo do Carlos Dafé pela WEA/Atlantic em 1977, é talvez um dos melhores exemplares para ilustrar o comportamento geral dos músicos do movimento Soul Brasil.
Antes de falar da música, vamos falar um pouco deste movimento musical que começou a crescer no início dos anos 70 e teve seu ápice entre os anos de 1976 e 1978.
Como todos sabem (ou presumo que saibam) o movimento Soul Music surgiu do Rythm & Blues, no fim dos anos 50, principalmente no sul dos Estados Unidos. Dois fatores foram fundamentais para o crescimento deste movimento: o primeiro foi quando o Rock'n Roll (também originário do Rythm'n Blues) atingiu seu ápice, alcançando a classe média branca. O segundo foi a fusão da música gospel, relegada ao ambiente de igrejas, com o embalo sistemático do Blues. Com estes dois elementos, mais a fundação da Tamla/Motown - que entrou num mercado dominado pel a Atlantic, especializada em cantores e músicos negros -, o Soul Music (em inglês, "música da alma") dominou o mercado entre o fim dos anos 50 até o fim dos 70.
No Brasil, o Soul Music aportou de maneira oficial com o surgimento da ATCO, um selo da Continental (Gravações Elétricas) especializado em relançar obras da Atlantic americana no território de Pindorama. Nesta mesma época, a defunda Rozemblit/Mocambo começa a trazer os primeiros discos da Motown para o Brasil. Como estas duas gravadoras tinham o cast mais conhecido entre o "soulman" (como eram conhecidos os cantores da Soul Music), ajudou e muito na divulgação do gênero.
Mas esta foi apenas a ponta do iceberg, afinal só lançar discos não quer dizer muito. Acontece que a música negra americana era um perfeito elemento que misturava balanço e ritmo. Logo, um monte de coisas acontecem ao mesmo tempo. Vejamos:
1) Miriam Makeba, cantora sul-africana, apresenta-se na TV Record em 1969, trazendo seu grande sucesso "Patah-patah". A música foi tão associada aos negros que tornou-se sinônimo daquele pente raso típico de quem possui cabelos curtíssimos;
2) Os cantores e compositores da Jovem Guarda, buscando uma maior gama de musicalidade - e menor rejeição dos intelectuais - começam a apostar em versões musicais de canções do Soul Music. É desta época a versão de "Unchain My Heart" ("Aceite Meu Coração"), cantada por Roberto Carlos e o lançamento do disco "Na Onda do Boogallo", de Eduardo Araújo, que misturava Black Music com rock sessentão inglês da melhor estirpe. Neste disco, surge um certo Tim Maia, ainda como compositor, na clássica "Embrulhe Esta Marmita";
3) Os "queridinhos" da época, os espetaculares Beatles, haviam lançado em 1965, um álbum clássico chamado "Rubber Soul". Neste disco, misturavam conceitos da música negra com o seu Rock amplificado, fugindo do conceito esteriotipado que carregavam de "mauricinhos". Neste disco, encontra-se um dos seus maiores clássicos, a belíssima "Eleanor Rigby", que anos depois seria cantada pelo grande mestre do Rythm'n Blues, Ray Charles;
4) A cereja do bolo foi o surgimento de alguns grupos fundamentais para assimilarem os conceitos da Soul Music com os nossos ritmos nacionais. É o caso da Brazuca, de Antônio Adolfo, dos Brasões, do cantor, arranjador e maestro Erlon Chaves e da música de Wilson Simonal, um entertainer por natureza, que curtia o sucesso da "pilantragem" (espécie de samba mais cadenciado e juvenil, criado pelo cafajeste mor Carlos Imperial).

Observando tudo isto, temos a dimensão exata de como a Soul Music entrou no território brasileiro. Mas por que só em 1976 é que ela atinge seu ápice?
Simples: até 1975, o Brasil viveu um dos períodos mais duros da sua história, que foi a fase das perseguições políticas. Neste instante, com os linha-duras no poder, não faltavam casos e pessoas que saiam para tomar café ou comprar um maço de cigarros e que não voltaram até hoje. Sair depois das 22 horas era assinar um atestado de suicídio, pois você poderia ser preso por transitar em lugar suspeito. Aliás, dez anos depois, o abusado baiano Raul Seixas brincaria com esta fase nebulosa do nosso Brasil em "Metrô Linha 743".
Com o afastamento de vários líderes da linha-dura do exército, a partir do governo Geisel, a galera sentiu um pouco mais de espaço para manifestar-se. Some-se a isto o fato de que, nas regiões mais carentes, o pobre era cada vez mais afastado do rico - se tu quiseres ter uma visão clara disso, assista o filme "Cidade de Deus" e recorde-se do prólogo, quando Buscapé fala como surgiu a Cidade de Deus. Bom, o povo mais pobre e mais carente não tinha condição de ficar indo a zona sul beber água de coco e dançar ao som do "Frenetic Dancin' Days". Logo, surge uma alternativa barata e simples, que era os "bailes funks".
Antes que algum gaiato venha me dizer que estes bailes funks de 1975 a 1978 era iguais a esta "funkeira" de qualidade duvidosa que impestia os bailes atuais, NADA A VER! Os bailes setentistas eram bem mais organizados, menos vulgares, era um lugar onde se debatia de filosofia a putaria, literalmente falando. A dança, entretanto, tinha um espaço maior, tudo milimetricamente coreografado e ritmado, em passos bonitos e malemolentes. Em tempos que as escolas de samba cada vez mais tornavam-se "empresas", aquela era uma forma deliciosa de o pobre poder expulgar sua raiva, questionando, dançando e curtindo. Com respeito e moderação, claro.
Muita gente de "responsa" cuidava dos bailes blacks. Um destes foi o grande Newton Duarte, o famoso Big Boy, que viria a falecer em 1975. Ele coordenava juntamente com Ademir Lemos os chamados "Bailes da Pesada", coisa fina mesmo, rolando de tudo do bom e do melhor do som negro americano e brasileiro: Stevie Wonder, Al Green, Marvin Gaye, Jacksons 5, Supremes, Dionne Warwick, Tim Maia, Cassiano, Hyldon, Dom Salvador, Soul Bateaux, Banda Veneno (do já falecido Erlon Chaves). Só som "dubão", como diria o síndico.
Carlos Dafé surge nesta época, junto com mais uma pilha de artistas ótimos que apareceram neste mesmo período: Dom Beto, Banda Black Rio, Lady Zu, Gerson "King" Combo, Tony Bizarro e outros. Carlos Dafé vinha numa linha mais romântica, mais envolvente, que ganhou o apelido de "farofada". O seu som não tinha um comprometimento tão grande com o questionamento soial quanto Gerson "King" Combo, por exemplo. O seu negócio eram aquelas melodias onde os casais ficavam juntinhos, dançando de maneira bem sensual, melódica, envolvendo... ou seja, preparando o terreno para o amor. Algo semelhante ao que era feito por Al Green, pelo Chi-Lites e pelo Isley Brothers.
"Pra Que Vou Recordar o Que Chorei?" explodiu na trilha da novela "Dona Xepa", da Rede Globo, juntamente com outro clássico do soul romântico, a belíssima canção de Dom Beto "Pensando Nela". A voz dramática do Carlos Dafé era o adtivo predileto dos casais que dançavam querendo esquecer o "sofrimento" e viver tudo aquilo que era bom. O mais interessante é que, embora a melodia seja bastante dramática, com tons graves constrastando com a violenta voz aguda de Dafé, a letra é altamente positiva. Uma influência das mulheres na nossa MPB? Pretendo falar sobre isto um dia, fazendo um artigo no Pr1meiras 1déias (http://primeirasideias.blogspot.com), bem como a minha tese de mestrado. Mas é algo mais a frente. Mas que a MPB deixou de ser um pouco mais triste com o apogeu das cantoras dos anos 70, não resta sombra de dúvidas.
O interessante é que o autor é categórico a todo instante. Olhem e curtam: "Não quero mais saber de ti/Vou me recuperar, quero sorrir". Ele não coloca a situação em dúvida ou questionamento. Ele afirma que vai mudar, que não vai mais sofrer e que irá sorrir. Para sacramentar a sua linha de pensamento, Dafé reafirma depois: "Pra evitar o sofrimento, não se deve, nesta vida, se envolver com a ilusão". Ou seja, somente aqueles que se iludem é que irão permitir sofrer os mandos e desmandos do amor.
A letra é simples, mas é uma mensagem bastante válida, ainda mais se consideramos que as pessoas vem, cada vez mais, desiludindo-se com os fatos e outras pessoas. Se formos parar para observar, nós nos desiludimos apenas quando permitimos que o outro seja a nossa única fonte de funcionamento. E não é: você existia antes do outro, será que agora deixará de existir? Lógico que não. Então, seguir em frente, nunca esmorecer, estar adiante dos fatos. Tudo isto torna, cada vez mais presente, a situação de você superar os desafios. Se achar que é somente uma música que fala de amor (o tema universal dos compositores), substitua por vida. O sentido será o mesmo.
Então, nada melhor pra começar o ano que uma música otimista, pra cima, que não alimenta desilusões, mas vitórias e felicidades. Uma verdadeira música da alma. Façam o download e deliciem-se!